Padre António Vieira


 



Religioso, escritor e orador português.

Lutou contra a escravidão dos índios, numa época em que era normal ter escravos.  Defendeu a liberdade religiosa, num tempo em que os suspeitos de heresia eram condenados pela Inquisição.

 

 (1608-1697)

 
BIOGRAFIA

    António Vieira (1608-1697) nasceu em Lisboa, no dia 6 de fevereiro de 1608. Filho de Cristóvão Vieira Ravasco e Maria de Azevedo. Seu pai era escrivão da inquisição e foi nomeado para o cargo de escrivão em Salvador e só em 1614 sua família foi para o Brasil. António Viera tinha 6 anos na época.
    Foi no Colégio dos Jesuítas, em Salvador, o único na época, que António Vieira estudou. Em 1623 descobriu a vocação para o sacerdócio e entrou para a Companhia de Jesus. Em 1626, ainda noviço, destacou-se nos estudos sendo indicado para redigir as atividades dos Jesuítas, em carta anual, remetida para os superiores em Lisboa.
    De noviço passou a estudante de teologia. Fez o curso de lógica, física, economia e matemática. Em 1627 começou a dar aulas de retórica em Olinda. Em 1633 começou suas pregações, visitando as aldeias indígenas, próximas da cidade. No ano seguinte ordena-se sacerdote e em 1638, passou a dar aulas de teologia. Como pregador em cima de um púlpito, a sua fama espalhou-se. Defende a colónia, insurge-se contra a escravidão e clama pela expulsão dos holandeses em Pernambuco.
    Em 1640, em Portugal, D João IV sobe ao trono, restaurando a monarquia, depois de sessenta anos de reis espanhóis. Em fevereiro de 1641, António Vieira parte para Lisboa. Em 1642 os seus sermões já haviam conquistado o rei e a rainha D. Luísa. Torna-se o guardião da Coroa.
   Em 1643, Vieira foi designado pelo rei D João IV para negociar a reconquista das colónias. As suas propostas eram conciliar Portugal e Holanda, entregando a província de Pernambuco aos holandeses a título de indemnização; reunir em Portugal os cristãos-novos, isto é, os judeus que estavam espalhados pela Europa, e protegê-los da inquisição. Em troca os judeus investiriam nos empreendimentos do Império Português. Sugere a criação de companhias mercantis, uma Oriental e outra Ocidental.
   Inicia-se em Portugal nessa época, uma disputa entre jesuítas e dominicanos. Os jesuítas propagavam a fé através da catequese, enquanto os dominicanos se propunham a defendê-la organizando os tribunais da Inquisição. António Vieira foi nomeado embaixador para negociar a paz com a Holanda, que recusava todas as propostas para retirar-se de Pernambuco. Viaja para Paris e em seguida para Holanda. De volta ao Brasil, segue para o Maranhão com o objetivo de libertar os índios injustamente cativos. Em 1661 foi expulso do Maranhão, pelos senhores de escravos que não aceitavam sua ideias. Voltou para Lisboa onde foi preso pela inquisição, que o acusou de heresia. Amnistiado em 1669, viajou para Roma, quando foi absolvido pelo Papa em 1675.
   Padre António Vieira abandonou definitivamente a Corte, voltou para Bahia, onde entre os anos de 1681 e 1694 se dedicou a ordenar os seus sermões para transformá-los em livros.
   Doente e quase cego, fez suas últimas pregações. Deixou mais de 200 sermões e 700 cartas.
   Padre António Vieira morreu em Salvador, Bahia, no dia 17 de junho de 1697.

 

 

CONTEXTUALIZAÇÃO

     Padre António Vieira atravessou quase integralmente um século muito fustigado por várias catástrofes e rasgado por grandes inovações. Foi um período que nasceu assistindo a uma certa supremacia do mundo ibérico e que definhou dominado pela emergente Holanda, porventura a grande potência económica do tempo, pela França de Luís XIV, e pela Inglaterra.
    No plano dos códigos estéticos foi o século do Barroco, tendência que se infiltrou nas artes plásticas, na música na literatura, no vestuário, nos comportamentos cortesãos, nas formas de religiosidade e que se pautou por ser mais sensitiva do que racional, mais desmesurada do que contida, mais metafórica do que realista, mais ondulante do que retilínea, mais colorida do que acromática, mais espetacular do que sóbria.
    Foi ainda o tempo da emergência do espírito científico e do método experimental, que provocaram avanços importantes no conhecimento do mundo físico em vários domínios, graças aos trabalhos e reflexões de Galileu, Bacon, Torricelli, Kepler, Descartes e, mais tarde, Newton.
    Em Portugal, o século foi muito agitado do ponto de vista político. Até 1640 perpetuou-se o domínio filipino da coroa portuguesa, situação herdada do século anterior, na sequência do fracasso de Alcácer-Quibir, que conduzira à conquista da coroa por parte de Filipe II de Espanha, em 1580. No 1 de dezembro de 1640, um golpe palaciano que provocou pouco sangue, repunha na mão de portugueses os destinos da monarquia e D. João IV, o primeiro rei da Casa de Bragança, assumiu o poder.
    Este clima de perturbação política foi acompanhado por crescentes dificuldades económicas. (…) A dominação castelhana da coroa havia ainda legitimado ataques holandeses, franceses e ingleses, a muitos dos territórios portugueses, no Oriente, África e Brasil, ataques que se prolongaram alguns anos após a Restauração, provocando um agravamento da economia. Por outro lado, a perseguição movida pela Inquisição aos cristãos-novos, que neste século assumiu particular violência, tinha como consequência a fuga de muitos deles para o estrangeiro, transportando consigo avultados capitais.
    Culturalmente, o período não foi de grande brilho, tendo visto empalidecer o fulgor que as Artes e Letras haviam alcançado na época do Renascimento e do Maneirismo, pese embora a pujança que a arquitetura religiosa de traça barroca assumirá, sobretudo na parte final do século, bem como a vasta produção lírica muito consumida e divulgada em algumas academias literárias.
    A censura, sobretudo a inquisitorial, limitava a abertura de Portugal às correntes que no estrangeiro faziam triunfar o saber científico, conhecimento aqui divulgado por poucos e habitualmente com atraso.

 
OBRAS

A obra de Pe. António Vieira é dividida em:

      Profecias: História do Futuro; Esperanças de Portugal; Clavis Prophetarum.

      Cartas: Existem cerca de 500 cartas que, em geral, tratam de assuntos sobre a inquisição, os novos cristãos e a relação de Portugal e Holanda. Muitos têm essas cartas como documentos históricos importantes.

      Sermões: Ele escreveu aproximadamente 200 sermões com o estilo barroco conceptista. Tratava o assunto de maneira lógica, racional e utilizava a retórica aprimorada. Os seus sermões mais famosos são o “Sermão da Sexagésima”, que é cheio de metalinguagem e tem como tema a própria arte de pregar, e o “Sermão de Santo António aos Peixes”, que constitui um documento da surpreendente imaginação, habilidade oratória e poder satírico, que toma vários peixes (o roncador, o pegador, o voador e o polvo) como símbolos dos vícios dos colonos.

 

O TEMPO BARROCO
   O tempo barroco designa todas as manifestações artísticas do sec. XVII e inícios do sec. XVIII.
     Politicamente, estes séculos foram marcados por regimes absolutistas. Luís XIV foi o maior de todos os reis absolutistas na Europa. Conhecido por Rei Sol, a ele se atribui a frase L'État c'est moi, O Estado sou eu).

    Durante o seu reinado, encarnando a suprema autoridade do reino, subjugou a nobreza, transformando-a num instrumento de bajulação do rei e em sua serviçal.
    Neste contexto de autoritarismo político, de expansão comercial, de luta de classes e de crises religiosas, o Homem barroco sentia-se oprimido.

    No plano espiritual, a época barroca foi das mais conturbadas de sempre para o Homem ocidental, porque o século XVII tentou conciliar duas conceções de mundo opostas: a renascentista e a medieval.
   O Barroco é fruto da crise de valores renascentistas, uma consequência das lutas religiosas e de uma nova visão do mundo baseada numa conceção infinitista e dinâmica que pôs em causa o conhecimento e domínio absoluto da Natureza (conceção finitista e estática do mundo). Assim, o Homem barroco sentiu-se dividido entre os valores humanistas e os valores espirituais medievalistas que a Contrarreforma (Movimento da Igreja Católica de reação ao avanço do Protestantismo, por meio do recurso à Inquisição e à censura -Índex) procurava restaurar.
     O dualismo teocentrismo medieval e o antropocentrismo clássico do Renascimento desencadeou no Homem barroco um conflito interior entre o terreno e o celestial; o Homem e Deus; o pecado e o perdão; a religiosidade medieval e o paganismo renascentista; o material e o espiritual.


 
Contexto artístico e cultural do barroco
     O exagero ornamental do estilo barroco caracteriza não só as artes plásticas, mas também a literatura. O período literário barroco, também designado Gongorismo devido à influência do poeta espanhol Luís Gongora, empregou muitas formas do Renascimento mas substituiu a sobriedade e o equilíbrio do estilo clássico pela complexidade dos artifícios da forma e das ideias. A aparente superficialidade do Barroco, que semanticamente significou pérola imperfeita , foi uma forma de procurar o equilíbrio perdido através da angustiada busca da perfeição formal.
 Poesia
    As temáticas mais frequentes das composições barrocas são a efemeridade e fugacidade da vida; o desengano e ilusão da realidade; a obsessão pela morte; motivos religiosos e históricos; o burlesco de certas situações quotidianas; o erotismo; temas fúteis (poesia de entretenimento) e a sátira aos vícios da sociedade. Estes temas são tratados de forma ornamental, com o uso de metáforas, hipérboles, perífrases, troca de palavras, ou de forma engenhosa com o desdobramento de um conceito em várias ideias por meio de raciocínios artificiosos, até dar um imprevisto paradoxo. Francisco Rodrigues Lobo, D. Francisco Manuel de Melo, Jerónimo Baía, António Barbosa Bacelar e Francisco de Vasconcelos foram alguns dos principais autores de poesia barroca.
Prosa
    O Barroco é considerado, por muitos, a Idade de Ouro da prosa que visava a propagação e edificação religiosa. De entre esta literatura encontramos sermões, cartas, hagiografias e tratados moralistas.
 
 


As principais características barrocas são:
    Dualismo: 
O Barroco é a arte do conflito, do contraste. Reflete a intensificação do bifrontismo (o homem dividido entre a herança religiosa e mística medieval e o espírito humanista, racionalista do Renascimento). É a expressão do contraste entre as grandes forças reguladoras da existência humana: fé x razão; corpo x alma; Deus x Diabo; vida x morte, etc. Esse contraste será visível em toda a produção barroca, é frequente o jogo, o contraste de imagens, de palavras e de conceitos. Mas o artista barroco não deseja apenas expor os contrários, ele quer conciliá-los, integrá-los. Daí ser frequente o uso de figuras de linguagem que buscam essa unidade, essa fusão.Antropocentrismo x Teocentrismo (homem X Deus, carne X espírito). Conflito existencial gerado pelo dilema do homem dividido entre o prazer pagão e a fé religiosa.
    Fugacidade:
De acordo com a conceção barroca, no mundo tudo é passageiro e instável, as pessoas, as coisas mudam, o mundo muda. O autor barroco tem a consciência do caráter efémero da existência.
    Pessimismo:
Essa consciência da transitoriedade da vida conduz frequentemente à ideia de morte, tida como a expressão máxima da fugacidade da vida. A incerteza da vida e o medo da morte fazem da arte barroca uma arte pessimista, marcada por um desencantamento com o próprio homem e com o mundo.
    Feísmo:

No Barroco encontramos uma atração por cenas trágicas, por aspetos cruéis, dolorosos e grotescos. As imagens frequentemente são deformadas pelo exagero de detalhes. Há nesse momento uma rutura com a harmonia, com o equilíbrio e a sobriedade clássica. (a amplitude, a contorção e a exagerada riqueza ornamental, ausência de espaços vazios e o gosto pela teatralidade).

Na Literatura:
- Continuidade e permanência de alguma temática e estruturas quinhentistas;
- Temas fúteis e de reflexão moral, evasão ou busca da espiritualidade;
- Repertório vocabular rebuscado, cheio de ornamentos;
- Estilo rítmico e movimentado, cheio de cores poéticas ( o vermelho dos rubis, da púrpura e das rosas; o verde das esmeraldas ou o azul do mar, do céu e das safiras…);
- O predomínio do carácter emocional sobre o racional: o seu propósito é impressionar os sentidos do observador, baseando-se no princípio segundo o qual a fé deveria ser atingida através dos sentidos e da emoção e não apenas pelo raciocínio;
- As metáforas, as hipérboles e as antíteses… 
- O Cultismo e o Conceptismo.



   

SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES

    O sermão tem uma missão social (salvar os ameríndios da cobiça e exploração, isto é, salvá-los da antropofagia que era a prática comum entre os homens na sociedade), e é também um instrumento de intervenção na vida política do país; tem também uma missão espiritual: divulgar a palavra de Cristo, o Evangelho e histórias de santos como exemplos de condutas a imitar.
   O autor, neste sermão, queria denunciar a realidade da corrupção que existia nessa época, nomeadamente através da exploração dos pequenos pelos grandes. A única riqueza da colónia de S.Luís do Maranhão, para os colonos, era os Índios. Chamavam-lhes o “ouro vermelho”.
   Os colonos exploravam de forma desumana os índios. Os jesuítas (pregadores) não podiam permitir tal desumanidade. O Padre António Vieira defendia os seus direitos e pretendia a abolição das leis que os tornavam cativos. Como a palavra era a sua melhor arma, Padre António Vieira lançou-se em defesa dos Índios.

 
Intencionalidade comunicativa do pregador:
O sermão é um texto que pretende:
a) ensinar através do recurso a citações bíblicas, dados da História natural, exemplos da sabedoria popular. Tem, portanto, uma função informativa (informa sobre diversos saberes)

b) agradar aos ouvintes através do recurso a frases exclamativas, interrogações retóricas, gradações, apóstrofes, alegorias. Tem uma função emotiva (desperta emoções nos ouvintes)
c) Persuadir os ouvintes através da argumentação por meio do confronto com a Bíblia, emprego do modo imperativo, do vocativo e interrogações retóricas. Tem uma função apelativa (interpela os ouvintes, obrigando-os a refletir no que é dito)
d) intervir na sociedade portuguesa da sua época.


 
 
ESTRUTURA DO SERMÃO:

Cap. I - EXÓRDIO – Introdução, contém a tese inicial e o ponto de vista ao qual o autor pretende fazer aderir o leitor.
O orador expõe o plano que vai defender baseado num CONCEITO PREDICÁVEL extraído, normalmente, da Sagrada Escritura.
Cap. I - INVOCAÇÃO – Desenvolvimento ou Corpo, apresentam-se os argumentos para apoiar ou refutar a tese inicial. Na invocação, o orador invoca o auxílio divino para a exposição das ideias.

 Cap. II a V - EXPOSIÇÃO E CONFIRMAÇÃO – Desenvolvimento ou Corpo, apresentam-se os argumentos para apoiar ou refutar a tese inicial. O orador expõe o tema através de alegorias, sentenças e exemplos.

Cap. VI - PERORAÇÃO - CONCLUSÃO, o autor do texto sintetiza os argumentos fundamentais reafirmando a importância da tese. O orador recapitula o seu discurso e usa um desfecho vibrante para impressionar o auditório e para o exortar a pôr em prática os seus ensinamentos.

 

Cap. I
Introdução
EXÓRDIO
Cap. II
Cap. III
Cap. IV
Cap. V
                                                 em geral
                                 
                               Louvores
                                                 em particular
Desenvolvimento
                                                       em geral
                               Repreensões
                                                       em particular
Exposição
e
confirmação
Cap. VI
Conclusão
Peroração

 
    O «Sermão de Santo António aos Peixes», do Padre António Viera, foi pregado três dias antes de este embarcar, ocultamente, para o reino, para obter uma legislação justa para os índios, no ano de 1654.

    O Padre António Vieira pronunciou este célebre Sermão, aproveitando o facto do dia 13 de Junho ser o dia de Sto António no calendário litúrgico. O autor, neste sermão, queria denunciar a realidade da corrupção que existia nessa época, nomeadamente através da exploração dos pequenos pelos grandes. A única riqueza da colónia de S.Luís do Maranhão, para os colonos, era os Índios. Chamavam-lhes o “ouro vermelho”. Os colonos exploravam de forma desumana os índios. Os jesuítas (pregadores) não podiam permitir tal desumanidade. O Padre António Vieira defendia os seus direitos e pretendia a abolição das leis que os tornavam cativos. Como a palavra era a sua melhor arma, Padre António Vieira lançou-se em defesa dos Índios.
    O sermão constitui um documento da surpreendente imaginação, habilidade oratória e poder de satirização do Padre António Vieira, que toma vários peixes (o roncador, o pegador, o voador e o polvo) como símbolos dos vícios daqueles colonos.
    Com uma construção literária e argumentativa fantástica, o sermão tem como objetivo louvar algumas virtudes do homem, mas principalmente censurar com severidade os vícios dos colonos.
    Todo o sermão é uma alegoria, pois os peixes são a personificação dos homens.
 


Capítulo I - Análise e resumo
     A introdução ou exordio, deste sermão, é muito importante, na medida em que é o primeiro passo para captar a atenção dos ouvintes (deletare).
    O barroco manifesta-se nesta obra através de fenómenos de grande rigor interno e externo: o cultismo e o conceptismo.
    No cultismo, através da tendência para abusar de metáforas, anáforas e antíteses. Utilizava-se um jogo de palavras recorrendo a trocadilhos e repetições.
    O conceptismo era um jogo de conceitos, alegorias e ideias rebuscadas.
Partindo de um pequeno excerto bíblico de S.Mateus (“Vos estis sal terrae”) em que (vos = pregadores; o sal era a mensagem evangélica; terrae = ouvintes), os ouvintes não poderiam pôr em causa o que Vieira defendia. Usando a palavra divina retirada dos Evangelhos, não o poderiam contestar.

    Com vista à captação do auditório e através de uma engenhosa rede de jogos de palavras, Vieira recorre a vários artifícios: “Qual será ou qual pode ser a causa desta corrupção?”; “Porque é que o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina?” Ou seja, porque é que a mensagem evangélica não chega aos ouvintes? Porquê? Tudo isto são trocadilhos e repetições do cultismo do Barroco.

    O capítulo I começa com um conceito predicável (Vós sois o sal da terra, proferido por Cristo Senhor nosso aos seus pregadores), seguindo-se a descrição da corrupção que se faz viver na Terra. É nos explicada a função do sal (impedir a corrupção) e é feita uma referência clara aos padres e pregadores (aqueles que têm o ofício do sal). É nos então colocada a questão “qual a causa da corrupção?”.
    Segue-se pois um trocadilho de questões, tais como: “Será a terra que não se deixa salgar (os ouvintes não querem ouvir), ou será que os pregadores não pregam a verdadeira doutrina? Ou porque os ouvintes a ouvem, mas não praticam o que lhes é ensinado, ou porque o pregador prega a si e não a Cristo. Ou ainda, que os ouvintes ouvem, mas não servem a Cristo, antes sim aos seus apetites.” A reflexão “Ainda mal” é um sarcasmo típico do estado de espirito do orador.
    É então explicado que, se o sal não salga a terra, é porque o pregador não prega a verdadeira doutrina e por isso deve ser lançado fora como um inútil e ser pisado por todos. E à terra que não se deixa salgar, deve-se seguir o exemplo de Santo António quando pregou contra os hereges em Itália: mudar de auditório. E é isto que faz o padre António, à semelhança de Santo António, mudando de auditório, escolhendo como ouvintes os peixes ao invés dos homens, que se recusam a ouvi-lo. Padre António Vieira estabelece a comparação com Santo António que era ignorado e perseguido pela população, então decidiu mudar o púlpito e o auditório, da terra passou para o mar e dos homens passou para os peixes, começando assim a pregar aos peixes.
    O pregador invoca no final Nossa Senhora porque era habitual fazê-lo nesta época, ainda mais porque Maria quer dizer Senhora do Mar.


  PROPRIEDADES 
  Sal 
  Pregadores
  §  Conservar
  §  Evitar a corrupção
  §  Louvar o bem
  §  Impedir o mal

   
Vieira sabe que o mal não está só do lado dos pregadores, os ouvintes também têm as suas culpas.

Sal =  Pregadores
(efeito)
Impedir a corrupção
Porém, “a terra se vê tão corrupta”
Seis razões
Os pregadores
Os ouvintes
“não pregam a verdadeira doutrina”
“não a querem receber”
“dizem uma coisa e fazem outra”
“imitam o que eles fazem e não o que eles dizem”
(3) “pregam a si e não a Cristo”
“servem os seu apetites e não a Cristo”
Soluções
“desprezar os pregadores que faltam à doutrina e ao exemplo”
“mudar de auditório”
Conselho do pregador:
Imitar Santo António e pregar aos peixes”


 
 Capítulo II - Análise e resumo
Qualidades dos peixes em geral:
Qualidades de Ouvintes: Ouvem e não falam;
Defeitos de Ouvintes: Não se deixam converter;

 
QUALIDADES E VIRTUDES EM GERAL:
    O capítulo começa com duas boas qualidades dos peixes em geral: são bons ouvintes porque ouvem e não falam. Só há uma coisa que pode desmotivar um pregador, que é por não se poder converter os peixes. Mas essa dor, segundo o orador, é tão habitual e ordinária que já nem dói (aqui esta dor refere-se claramente ao fato de não ser possível converter os homens que pecam e que não têm Deus no seu coração. Por essa razão essa dor é tão ordinária, já é conhecida e já foi sentida noutras ocasiões). Por isso, o padre decide não falar em Céu ou Inferno, pois assim o sermão será menos triste, visto que as ações dos homens levam-no sempre a relembrar-se destes dois fins.
    É então explicado aos peixes a função do sal. Ou as duas: conservar o são e preservá-lo para que não se corrompa. Estas duas propriedades faziam parte do Santo António também. É então dito aos peixes que o sermão será dividido em dois pontos, sendo que no primeiro serão louvados as virtudes dos mesmos, em geral e em particular e no segundo serão repreendidos os vícios dos mesmos, em geral e em particular.
    São então descritas as qualidades dos peixes em geral, que se encontram resumidas e representadas no quadro que se segue:
 
Virtudes que dependem sobretudo de Deus
Virtudes naturais dos peixes
• foram as primeiras criaturas criadas por Deus.
• foram as primeiras criaturas nomeadas pelo homem.
• são os mais numerosos e os maiores.
• obediência, quietação, atenção, respeito e devoção com que ouviram a pregação de Santo António.
• não se domam.
• não se domesticam.
• escaparam todos do dilúvio porque não tinham pecado.

     Os peixes não foram castigados por Deus no dilúvio, sendo, por isso, exemplo para os homens que pouco ouvem e falam muito, pouco respeito têm pela palavra de Deus.
    Evidencia-se que os animais que convivem com os homens foram castigados, estão domados e domesticados, sem liberdade.

 

Capítulo III - Análise e resumo
Qualidades dos peixes em particular;
História do Santo Peixe de Tobias;
Outros peixes louvados pelas suas características;

    O capítulo inicia-se com o padre António a explicar que vai agora falar sobre as qualidades particulares dos peixes.  

Peixe
Virtudes
Efeitos
Comparação
Razões
Peixe
de
Tobias
§ O fel sara a cegueira
§ O coração afasta os demónios
§ Sarou a cegueira do pai de Tobias
§ Lançou fora os demónios da sua casa.
§ Santo António
§ Abria a boca contra os hereges
§ Alumiava e curava a cegueira
§ Lançava os demónios
Rémora
§ Pequena no corpo
§ Grande na força e no poder
§ Pega-se ao leme de uma nau
§ Impede que ela avance
§ Santo António
§ A língua de Santo António domou as paixões humanas
Torpedo
§ Produz energia
§ Faz tremer o braço do pescador
§ Impede que o pesquem
§ Santo António
§ A língua de Santo António domou as paixões humanas
Quatro-   -Olhos
§ Dois olhos olham para cima
§ Dois olhos olham para baixo
§ Defende-se dos peixes
§ Defende-se das aves
§ Pregador
§ O peixe ensinou o pregador a olhar para cima (céu) e para baixo (inferno)

 
 Conclusões
 . Tobias: Os homens precisam de ser alumiados  e curados  da cegueira  que lhes obscurece a razão.
. Rémora : «pegada ao leme da nau, é freio da nau e leme do leme»  / «virtude e força da língua de António» que teve mão nos soberbos, Língua de Santo António:  nos vingativos, nos cobiçosos, nos sensuais, o que sugere alegoricamente por meio de naus que a língua do Santo prendeu.
. Torpedo: Aos pescadores da terra fazia-lhes falta um torpedo, para lhes fazer tremer o braço e arrepiar caminho!
.Quatro-olhos: Mais falta fariam os dois pares de olhos aos homens do que aos peixes.

O elogio dos peixes termina realçando-se  a sua importância na prática do jejum e o seu mais fácil acesso aos pobres.

 

 Capítulo IV - Análise e resumo
Defeitos dos peixes em geral;
Comparação entre os peixes e os homens;
Críticas e repreensões a estes defeitos;

    O capítulo tem como principal objetivo repreender fortemente o pior defeito dos peixes, que é o de se comerem uns aos outros, e vivos ainda por cima. Apesar da circunstância, se os pequenos comessem os grandes, apenas um chegaria para muitos, mas são os grandes que comem os pequenos, sendo precisos vários destes para os alimentar. Sendo os peixes criados no mesmo elemento, cidadãos da mesma pátria e irmãos, se se comem uns aos outros estão a cometer um pecado atroz. O padre mostra os peixes o quão abominável isso é, pedindo-lhes que olhem para a cidade, onde se pode ver que os homens procuram saber como se hão de comer uns aos outros. “Ao morto, come o herdeiro, como o testamenteiro, come o legatário, o médico, o sangrador, a víuva, o coveiro, o que tange os sinos, o que lhe canta e o que o enterra. Enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra (chão) e por toda a terra (pessoas) já foi comido.”
Ainda se os homens se comessem depois de mortos, pareceria menos horroroso, mas comem-se vivos!
    Ainda neste capítulo, o padre pede aos peixes que lhe digam se não haverá outro meio de se sustentarem. Comerem-se uns aos outros não é estatuto da natureza, mas sim verocidade e sevícia (violência, pecado físico).
    No Capítulo IV são feitas as repreensões gerais aos peixes.

 
(ANTROPOFAGIA SOCIAL – HOMEM COME-SE AOS SEUS SEMELHANTES)
           

Surge, mais uma vez, uma autoridade bíblica: Santo Agostinho. Através dele, Vieira constrói um paralelismo invertido:


São referidos dois exemplos: um de uma pessoa que morreu, outro de um réu no julgamento. No primeiro caso, existe uma forte crítica à exploração dos negócios que envolvem os mortos e, no segundo, ao sistema judicial. Em ambas as situações é evidente o paralelismo anafórico a nível lexical e que nos dá a imagem de um grande “banquete” em torno de uma pobre vítima.
 

Em forma de síntese: os Homens são como peixes que se comem uns aos outros, devoram e engolem um povo.

Neste momento é claro e direto o ataque feito aos colonos que exploram os índios, de uma forma completamente desumana.

Os peixes / homens comem os mais pequenos

. Os homens comem não só o povo, mas a sua plebe

. Os homens não só se comem, mas engolem-nos e devoram-nos

. Os homens devoram e comem como se se tratasse de pão

 
A IGNORÂNCIA E CEGUEIRA DOS PEIXES / A IGNORÂNCIA E CEGUEIRA DOS HOMENS

PEIXES
HOMENS
. Caem tão facilmente no engodo da isca
. Enganam facilmente os indígenas (peixes que facilmente se deixam enganar)
CONCLUSÃO
Os peixes / homens são muito cegos e ignorantes
No entanto, Santo António nunca se deixou enganar pela vaidade do mundo, fazendo-se pobre e simples, e assim pescou muitos para salvação.

  

Capítulo V - Análise e resumo
Defeitos dos peixes em particular;
Defeitos do voador e do polvo;
Defeitos dos roncador e do pegador;

O padre António queixa-se então dos peixes voadores, que querem ser aves (ambição e presunção), mas que Deus assim os fez peixes. Estes peixes queriam tanto ser aves que Deus os sujeitou tanto aos perigos das aves como dos peixes. A isto o padre recorre a um provérbio, para lembrar aos peixes para se contentarem com a sua natureza e com o seu elemento (água e não o ar): “Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem. Quem pode nadar e quer voar, tempo virá em que não voe nem nade.” O padre ainda aconselha aos peixes a nadarem para o fundo, em alguma cova, e que fiquem por lá pois assim estarão protegidos e mais seguros.

O  padre António fala então do polvo, com o seu capelo na cabeça (comparado a um monge), com os seus raios estendidos (comparado a uma estrela), com a ausência do osso e da espinha (comparado a brandura e a mansidão, ilusão); Este é considerado pelos Doutores da Igreja Latina e Grega o maior traidor do mar. Consiste a sua traição em se vestir e pintar das mesmas cores a que está pegado, para caçar a sua presa. É comparado ao camaleão, mas este usa a camuflagem para gala e o polvo para a malícia, e também comparado a Proteu, mas este último usava a profecia e o disfarce para fugir àqueles que lhe queriam mal; Finalmente, é comparado a Judas, mas é tomado como mais traidor que o que traiu Cristo, pois esse executou a sua sentença à claras e fazia dos braços sinal, mas o polvo executa a sentença às escuras e faz dos braços faz as cordas. Por isso, Judas é menos traidor que o polvo.

Finalmente, o padre afirma ter acabado os louvores e as repreensões ao seu auditório, relembrando os ofícios do sal e aconselhando os peixes a não se apegarem aos perigos da riqueza e da matéria.

Peixes
Defeitos
Argumentos
Exemplos de homens
Os Roncadores
Soberba
orgulho
Pequenos mas muita língua; facilmente pescados. Os peixes grandes têm pouca língua
muita arrogância, pouca firmeza.
Pedro
Golias
Caifás
Pilatos
Os Pegadores
parasitismo
Vivem na dependência dos grandes, morrem com eles.
Os grandes morrem porque comeram, os pequenos morrem sem terem comido.
Toda a família da corte de Herodes
Adão e Eva
Os Voadores
presunção

ambição
Foram criados peixes e não aves
são pescados como peixes e caçados como aves.
Simão mago
O Polvo
traição
Ataca sempre de emboscada porque se disfarça.
Judas

 

Comparação entre os peixes e Santo António

Peixes
Santo António
Os Roncadores: soberbos e orgulhosos, facilmente pescados
Tendo tanto saber e tanto poder, não se orgulhou disso, antes se calou. Não foi abatido, mas a sua voz ficou para sempre.
Os Pegadores: parasitas, aduladores, pescados com os grandes
Pegou-se com Cristo a Deus e tornou-se imortal.
Os Voadores: ambiciosos e presunçosos
Tinha duas asas: a sabedoria natural e a sabedoria sobrenatural. Não as usou por ambição; foi considerado leigo e sem ciência, mas tornou-se sábio para sempre.
O Polvo: traidor
Foi o maior exemplo da candura, da sinceridade e verdade, onde nunca houve mentira

 

Capítulo VI - Análise e resumo
Dá-se a peroração;
Retoma dos argumentos utilizados, apelo aos ouvintes para que respeitem, venerem e louvem a Deus.
Louvor a Deus.

 
Animais
Peixes
Homens
Foram escolhidos para os sacrifícios.
Podiam ir vivos para os sacrifícios.
Ofereçam a Deus o ser sacrificado.
Ofereçam a Deus o sangue e a vida.
Não foram escolhidos para os sacrifícios.
Só poderiam ir mortos. Deus não quer que Lhe ofereçam coisa morta.
Ofereçam a Deus o não ser sacrificados.
Ofereçam a Deus o respeito e a obediência.
Os homens também chegam mortos ao altar porque vão em pecado mortal. Assim, Deus não os quer.

 Neste último capítulo, o padre António despede-se dos peixes, dizendo que eles não podem ser sacrificados a Deus pois não chegam vivos aos altares e que o seu fim é satisfazer o homem. Pede-lhe que dêem graças por não poder ofender a Deus e pede que o respeitem e lhe louvem. Que louvem a Deus por muitas coisas que ele lhos livrou. Como este auditório não é capaz de graça e glória, o seu sermão não termina em glória e em graça.

O orador quer que os homens imitem os peixes, isto é, guardem respeito e obediência a Deus. Numa palavra, pretende que os homens se convertam.
 

Orador
Peixes
Tem inveja dos peixes.

Ofende a Deus com palavras.

Tem memória.

Ofende a Deus com o pensamento.

Ofende a Deus com a vontade.

Não atinge o fim para que Deus o criou.
• Têm mais vantagens do que o pregador.
• A sua “bruteza” é melhor do que a razão do orador.

• Não ofendem a Deus com a memória.

• O seu instinto é melhor que o livre arbítrio do orador; não falam; não ofendem a Deus com o pensamento; não ofendem a Deus com a vontade; atingem sempre o fim para que Deus os criou.

 
A escolha do hino “Benedicite” reforça o objetivo final do Sermão, encerrando o Sermão com um tom festivo, adequado à comemoração de Santo António, cuja festa se celebrava. A palavra “Ámen” significa "Assim seja", "que todos louvem a Deus".